Monday, March 28, 2016

"A crise da água na Grande SP acabou". Mas do que estamos falando quando falamos sobre crise de água?



Segundo declaração do governador do Estado de São Paulo em 7 de março, a crise hídrica na Grande São Paulo teria chegado ao fim. Frente às chuvas abundantes dos últimas meses, que provocaram um aumento considerável no volume de água armazenado nos reservatórios que abastecem a Grande São Paulo, é de se esperar mesmo que diminuam os problemas de abastecimento e de racionamento de água.

Se por crise hídrica entendermos, um tanto quanto reducionisticamente, o desabastecimento que ocorre por conta da escassez de água, não vejo grandes razões para discordar de que ela possa (temporariamente) ter terminado. Se, porém, entendermos que uma crise hídrica emerge a partir da perturbação de uma dinâmica relacional conservativa entre seres humanos e a água, tenho fortes razões para duvidar que ela tenha mesmo terminado. Pelo contrário. Vista assim, o enchimento de reservatórios não marca o fim de uma crise hídrica mas, antes, anuncia o seu início!

Crises hídricas não são, portanto, sinônimas de escassez de água, mas manifestação de uma falha na governança do uso da água, que pode ser entendida como a implementação de processos (sistêmico-cibernéticos) para manter uma dada qualidade da dinâmica relacional entre seres humanos e a água. O que se costuma ver, entretanto, são práticas de governança baseadas na crença que sistemas sociais e ecológicos não são acoplados, e em pensamento linear de causa-e-efeito. A declaração do governador de SP apoia-se então no entendimento de que a disponibilidade de água no futuro nada mais será do que, deterministicamente, a simples continuação do passado - a trajetória e a dinâmica do clima não mudarão, e tampouco os volumes de precipitação.

P.S.: O que foi aqui brevemente argumentado, é tratado de maneira mais extensa e geral no artigo Navigating through an 'ecological desert and a sociological hell'. A cyber-systemic governance approach for the Anthropocene. Ray Ison & Sandro Luis Schlindwein, Kybernetes, 44(6/7): 891-902, 2015.


No comments: