Em seu famoso livro Risikogesellschaft - Auf dem Weg in eine andere Moderne (Sociedade de Risco - rumo a uma outra modernidade), Ulrich Beck discute a ideia de que na Modernidade a produção de riqueza é acompanhada da produção social de riscos, de toda sorte e natureza, como os riscos químicos e nucleares, além, é claro, dos riscos ecológicos, entre muitos outros. Esses riscos são produzidos tecno-cientificamente e levam ao que Beck chama de modernização reflexiva: como resultado dos problemas do desenvolvimento técnico-econômico, o processo de modernização torna-se "reflexivo", tornando-se ele mesmo tema e problema (p. 26, da edição original). Ou seja, o processo de modernização volta-se a si mesmo. Apoiando-se em Niklas Luhmann, sociólogo e teórico de sistemas, Beck afirma que com os riscos a economia torna-se "auto-referencial" (normalmente evitadas pela ciência ocidental, racional e objetiva, amparada na lógica clássica, ortodoxa, questões de auto-referencialidade renovaram o pensamento sistêmico-cibernético, e deram origem à cibernética de segunda-ordem, ou a cibernética da cibernética, a cibernética dos sistemas observantes!): a sociedade industrial produz com o canibalismo econômico dos riscos por ela liberados a situação de perigo e o potencial político da sociedade de risco (p. 30, da edição original). Como diz Beck, na Sociedade de Risco ocorre uma mudança da lógica da distribuição da riqueza [!] para a lógica da distribuição (global) de risco, e a questão que se coloca é como lidar de maneira sistemática (e sistêmica!) com os riscos e incertezas produzidas pela própria Modernização. O desafio para a sociedade de risco é, portanto, como se organizar para responder aos riscos que ela mesmo produz.
Portanto, na Sociedade de Risco, multiplicam-se os desastres de causas humanas, associados aos avanços da ciência e da tecnologia. E é aqui que se inscreve o desastre de Mariana,
Bento Rodrigues, distrito de Mariana, em estado de terra arrasada após o estouro da barragem (foto: Juarez Rodrigues - 06/11/2015)
Desde novembro de 2015 somos assombrados quase que diariamente com as terríveis notícias do desastre de Mariana. O rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração da mineradora Samarco, resultou no maior desastre ambiental do Brasil, e cujo mar de lama deixou em seu rastro não somente destruição, mas também 17 mortos e 2 desaparecidos. Sem contar as consequências de longo prazo, que sequer podem ser vislumbradas em toda sua magnitude e extensão. Mas por que o desastre aconteceu? Foi por pura negligência e irresponsabilidade? Erro técnico no dimensionamento e operação da lagoa de rejeitos? Até mesmo um abalo sísmico (leve) foi cogitado como possível causa (já descartada). Recentemente, a Polícia Civil afirmou que a causa do rompimento da barragem de Fundão teria sido "liquefação" (excesso de água), além de vários outros problemas existentes na barragem. Isso indica que a causa para o desastre possivelmente seja o resultado de uma combinação de tudo isso, além de outras causas mais. Em outras palavras, o desastre foi resultado de uma falha sistêmica. Este é um tipo de falha que acontece a partir de um conjunto de componentes ou atividades inter-relacionadas em um sistema de interesse, e como tal sua ocorrência não poderia ser explicada a partir de falhas em partes individuais desse sistema. Isso explicaria também o caráter imprevisível e inesperado da ocorrência da falha, e a surpresa que a acompanha. Infelizmente, falhas sistêmicas não são eventos raros, assim como não são raros os desastres de grandes proporções que costumam provocar e são, infelizmente, a manifestação mais visível e trágica da incapacidade de pensar e agir sistemicamente. É preciso, porém, fazer uma advertência: mesmo admitindo a plausibilidade da ocorrência de uma falha sistêmica, essa explicação não pode ser usada para revogar as responsabilidades de quem quer que seja, e por isso é preciso que venha acompanhada de uma investigação das circunstâncias que a tornaram possível. Do contrário, não passará de mais um argumento – e de uma prática – diversionista. Na Sociedade de Risco, desastres não podem ser vistos como fatalidades, já que ela mesma resulta da incapacidade de pensar - e agir - sistemicamente. (Continua...)
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