Tuesday, December 18, 2007

O discurso de Saramago

De tudo que li durante este ano, o texto que mais me emocionou foi, sem dúvida, o discurso que Saramago proferiu ao receber o Nobel de Literatura. O discurso leva por título "De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz", que começa assim: "O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia, Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo. Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro."[...]"...e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver". O discurso completo pode ser lido em
http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1998/lecture-p.html

Quando a gestão ignora efeitos sistêmicos

Simon Caulkin, na edição do dia 25 de novembro do The Observer, faz um interessante diagnóstico da causa dos problemas de gestão no Reino Unido, e lembra Russel Ackoff, para quem "os problemas nas organizações são quase sempre o produto de interações de partes, e nunca a ação de uma parte única". O artigo completo pode ser lido em:
http://www.guardian.co.uk/business/2007/nov/25/scamsandfraud.businessandmedia

Friday, December 14, 2007

CPMF e Pensamento Único

Para além da pertinência ou não da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), o que se (ou)viu nos últimos dias no Brasil, e em particular no Senado Federal, nas discussões que envolviam a prorrogação ou não deste imposto até 2011, chega mesmo ao ridículo. De um lado, os “defensores” do imposto (o Governos e seus aliados), outrora contrários; de outro, os seus “criadores” (DEM, PSDB), que agora o rejeitam. Esse “nosso tempo” já recebeu todas as denominações possíveis, mas é certo que vivemos uma era de perplexidades. E some-se a isso tudo o que vou chamar de “ditadura do pensamento único”, extremamente reducionista, e influenciado, sobretudo, pelo “economês”. O que se pôde ouvir um dia após a rejeição da prorrogação da CPMF beira ao inacreditável, coisas do tipo “agora R$ 40 bilhões voltarão à economia”, como se fosse possível subtrair alguma coisa dela (mesmo o sistema financeiro, para o qual “drena” grande parte da receita auferida com os impostos para o pagamento do superávit primário, também faz parte da economia...). Além disso, ao se propor que o Estado deva agora fazer os cortes necessários levando em conta a diminuição de receita, a exemplo do que se faria na iniciativa privada, finge-se ignorar por completo que o Estado (republicano, sobretudo) necessariamente tem propósitos muito distintos dos de uma empresa. Enquanto esta em um sistema capitalista visa o lucro, aquele deverá visar o bem-público, a proteção dos menos favorecidos, etc, etc, etc. Em resumo, o que se pôde ouvir nos últimos dias decorre da hegemonia de um pensamento fragmentado, redutor e por isso mesmo conservador (não se está fazendo nenhum juízo de valor), além, é claro, das disputas políticas de sempre em um Estado democrático. Como “remédio” para tudo isso e para esses tempos, resta-me Cioran (em “Breviário de Decomposição”), e é uma pena mesmo que “não haja nas farmácias nada específico contra a existência”.

Friday, December 07, 2007

Tudo é dito por um observador

O que nós vemos das coisas são as coisas.
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

Fernando Pessoa
(poema XXIV de "O Guardador de
Rebanhos", segundo "Alberto Caeiro")

Thursday, December 06, 2007

Flaubert e eu

Com a proximidade do fim de ano, e a pressão permanente para publicar, peço licença a Flaubert e faço minhas suas palavras:

"Estou mais cansado do que se empurrasse montanhas. Há momentos em que tenho vontade de chorar. É preciso uma vontade sobre-humana para escrever e eu sou apenas um homem.[...] E qual o fim de tudo isto? O resultado? Amarguras, humilhações internas, nada em que se amparar a não ser a ferocidade de uma fantasia indomável"

Monday, December 03, 2007

EcoPower e aquecimento global

Não participei da EcoPower Conference, realizada de 28 a 30 de novembro no Costão do Santinho, em Florianópolis. O preço da inscrição (R$ 2700,00) era proibitivo. Além disso, como disse-me um dos organizadores da Conferência, tratava-se de um evento empresarial (com patrocínio governamental, é bom lembrar). O aquecimento global virou uma oportunidade de negócio! E um negócio dos grandes. O mercado de carbono, criado com o protocolo de Kyoto, é quase nada comparado com as oportunidades de negócio vislumbradas com a exploração de energias renováveis. Mas como nos lembrava Einstein, para resolvermos um problema é preciso usar um conhecimento diferente daquele responsável pelo seu surgimento, e é exatamente isso que a mercantilização do aquecimento global pretende ignorar. Pretende-se ignorar que o aquecimento global está associado à sociedade industrial e seus instrumentos de mercado, e fazer crer de que agora através desses mesmos instrumentos se poderia resolver o problema. Insiste-se em maximizar os ganhos do presente, ao invés de minimizar o arrependimento futuro.

A Ecopower Conference perdeu também a oportunidade de dar exemplo na redução da emissão de gases de efeito estufa. O que se viu foi um esbanjamento de emissões. Como me disse o mesmo organizador da conferência, as principais autoridades seriam transportadas do aeroporto de Florianópolis até o hotel da conferência, de helicóptero. Mas por que não fazê-lo usando um carro flex, movido a álcool, e que coloca o Brasil na vanguarda da utilização de energias renováveis? Sem contar nas emissões dos vôos transcontinentais que trouxeram muitos palestrantes. Aliás, um conferencista chegou a dizer em uma entrevista, que uma maneira de reduzir as emissões seria viajar menos e utilizar mais a videoconferência!

Por tudo isso, a mercantilização do aquecimento global desvia, intencionalmente ou não, o foco do problema, e enquanto o aquecimento global for tratado como um negócio (para poucos), não teremos como estabelecer uma nova ética para o mundo no uso de recursos naturais. Já na década de 1970, o economista Georgescu-Roegen apontava para isso ao discutir os limites do uso renovável desses recursos. A propósito, não é de hoje que o meio ambiente em Florianópolis é tratado como um negócio. A “operação moeda verde” que o diga!